Guarulhos, Centro – 17hs
Dirijo meu carro pela segunda maior cidade do estado. O barulho e a fumaça dos carros, o andar apressado das pessoas, tudo foi substituído por um silêncio fantasmagórico. Parece até aquelas cidades de velho oeste, nenhuma viva alma. E isso é estranho, pois pelo horário, isso aqui estaria parecendo uma verdadeira 25 de Março.
Paro o meu carro no farol vermelho na rua Capitão Gabriel, e fico batutando os dedos no volante contando os batimentos do meu coração e o ritmo da minha respiração (coisa que não seria possível se a cidade estivesse “viva”).
O farol abre e acelero o carro. Apenas mais dois automóveis aparecem no caminho e um motoboy apressado como sempre. Mas a pressa agora não faz mais sentido para a metrópole abandonada que se tornou minha cidade. Não se ouve o grito do vendedor de água, as buzinas estão silenciadas. Nem o mendigo que eu via todos os dias no farol, deu as caras. Parece que o medo falou mais alto que a fome.
Enfim, não foi só minha cidade, mas o mundo todo parou. Isso lembra até aquela música estranha do Raul Seixas* (parece até que foi uma premonição daquele Maluco Beleza, será que foi por isso que ele tirou a própria vida? Vai saber).
Passo em frente a Matriz, não sou nenhum pouquinho religioso, mas confesso que estou ansioso, essa vez faço o sinal da cruz e por um momento peço a Deus que tenha piedade de nós. Sigo meu caminho e saio na Praça IV Centenário. Tudo vazio, sombrio. Começo a lembrar dos filmes. Silêncio estilo “The Walking Dead”. A vida imita a arte da ficção. Uma arte que nas telas de cinema se torna diversão, mas que na vida real, é pura aflição.
Estamos presos que nem pássaro engaiolado. Não há como fugir para nenhum lado. A humanidade está com medo. Quem diria que um vírus seria o causador do fim do mundo.
Posso estar falando até besteira, mas se fosse outra coisa a causadora, talvez o mundo estaria até mais “tranquilo”. Mas como o “quinto cavaleiro do apocalipse” é um inimigo invisível, o ser humano está em pânico. Porque um simples toque, pode lhe custar a vida, ser o causador do seu óbito. Coisas simples do nosso cotidiano, se tornaram prioridade se quisermos estar vivos. Aqui não importa sua conta bancária, se tem plano de saúde. Aqui o dinheiro não tem mais valor. Se é branco ou preto. Velho ou jovem. Todos estamos no mesmo barco, com a dúvida do amanhã.
Era-se a época em que você espirrava e alguém dizia: “ saúde”. Hoje você espirra, a pessoa ao lado te olha estranhamente assustada, e você fica com medo pensando se esse é o primeiro passo para o seu fim…
- O dia em que a Terra parou
(Texto desenvolvido para o desafio de prosa poética da Revista Villa das Palavras – seu comentário é muito importante)
Vivemos um momento atípico e o medo, certamente, está mais presente do que antes! Resta nos cuidar um do outro. Fique bem!
Gostei bastante do início, da descrição e o comparativo da cidade. Mas uma frase me chamou atenção entre todas que dá até um microconto “Parece que o medo falou mais alto que a fome.” A crônica me trouxe uma sensação saudosista sobre a velocidade que vivemos durante tantos dias e que, agora, está começando a voltar ao normal. Muito bacana
Eu amei demais esse texto, estamos vivendo tempos sombrios e você conseguiu expor os sentimentos da maioria. Parabéns!
Espirrar hoje em dia ou tossir ainda q por engasgo é chamar o olhar do outro. Muito bons apontamentos. Gostei. Parabéns
Quando vc escreve eu vejo sua cidade que conheço tão bem e a lembrança de seus cantos me assusta, mesmo sem pandemia.
Algo quebrado meu está largado pelas suas ruas e estende as mãos cegamente pedindo um colo que nunca vêm.
Muito bom,e vc expressa numa simplicidade tudo o que estamos vivendo,bem isso mesmo.
Parabéns! !!